Retrato de uma Princesa Desconhecida
(Sophia,
1947)
Olho-a e flutua esta
“Princesa Desconhecida”! Flutua “solitária, exilada, sem destino” (Sophia,
1947), quiçá inconsciente do sofrimento humano. O poder da sua figuração
convoca um ideal e capta uma realidade. Há uma mensagem simbólica preservadora
dos sintomas do estético. Densidade e plenitude sintáticas e semânticas
suspendem a dicotomia tirânica entre o cognitivo e o emotivo. A percepção, a
conjectura e a investigação factual não impedem o prazer ou a dor, a satisfação
ou o desapontamento. Akóma kalá (ακόμα
καλά)!
Sophia, aliando a
estesia anafórica à agressividade lexical e à tripla adjectivação, cria a
grandiosa metáfora denunciadora de iniquidades – “um imenso desperdiçar de
gente” (Sofia, 1947) – em prol de débeis frivolidades.
Afonso Pinhão Ferreira
meditou – sei que o fez – e deu ao bronze a sua leitura. Duas linguagens num só
desígnio. Eis a Princesa belíssima, altiva, arrogante e indiferente, sopeando
“grossas mãos pacientes” (Sofia, 1947). Eis a Princesa élfica, luminosa,
solar que, porque descoroada e nua, reclama a condição humana, negando,
claramente, qualquer probabilidade mitológica.
A rudeza dos grilhões
e correntes colide com a perfeição esfíngica. Dessa colisão decorre a denuncia
de questões sociais e a avocação de atitudes críticas. Não há qualquer
camuflagem nem aproximação ao realismo socialista, antes uma preocupação formal
denunciadora de arbitrariedades. Nas mãos, a simbólica do esforço, do
sacrifício, da agrura, tal como outrora a insinuara uma certa estética
neo-realista. Depois, cabe ao níveo esporão / mundo libertar a mensagem de
Sophia: “Para que” (Sofia 1947), para quem, porquê? Barro, gesso e bronze, em
conciliábulo, trocaram cúmplices e cortêses oaristos. O artista almou-os.
Afasto-me, volto a
olhar, um olhar contemplativo leva-me a pensar a arte enquanto elemento
salvífico. Metamorfoses. Porque "O primeiro tema da reflexão é a
justiça" (Sophia, 1972), passado "o tempo de mascarada e de
mentira" (Sophia, 1962), os grilhões, placidamente abertos, são espada
hercúlea e a coroa metamorfoseia-se em isonómica balança. Descalça, olhos
abertos, liberta de roupagens, a Princesa, demandando os córregos da
verdade, incomoda e questiona consciências. Diké (Δίκη) atalaia,
porque "a busca da justiça continua" (Sophia, 1972). A coroa é
brasão da liberdade pois, abandonando o exílio, a Princesa, pés-na-chão,
reclama, “de mãos dadas com os perigos” (Sophia, 1958), o veio da fraternidade.
As mãos são agora as de Antígona. A polissemia da obra de arte erige a chama da
esperança e credita o Homem, justamente pela mão do artista, deste Artista.
Isabel Ponce de Leão
(artigo publicado no jornal AS ARTES ENTRE AS LETRAS, maio 2019)
(artigo publicado no jornal AS ARTES ENTRE AS LETRAS, maio 2019)
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